Covid-19 mata um detento ou funcionário das cadeias do país a cada 27h

Um estudo realizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostrou que nos primeiros 67 dias deste ano foram registradas 58 mortes por covid-19 entre servidores e pessoas privadas de liberdade em todo o país. Isso significa dizer que a cada 27 horas um preso ou um funcionário morreram em decorrência do coronavírus. O número representa um aumento de 190% de novas mortes em relação aos últimos dois meses do ano passado.

Nos últimos 70 dias de 2020, ocorreram 20 mortes por covid-19. “Um grande contágio no sistema prisional e socioeducativo faria com que todos os doentes morressem sem atendimento”, diz Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos da infância e juventude, membro do Instituto Nacional do Direito da Criança e do Adolescente e do Grupo Tortura Nunca Mais. “A própria sociedade não aceitaria que eles ocupassem espaços nos hospitais no lugar de quem nunca teve envolvimento criminal.”

De acordo com o advogado, os funcionários, por sua vez, reclamam da falta de produtos, como álcool em gel, sabonetes e máscaras para trocas constantes. “Presídios e unidades de internação sempre foram espaços incubadores de doenças, principalmente contagiosas, tanto pulmonares, como tuberculose, quanto de pele, em razão da superlotação, falta de higiene, ambientes insalubres e falta de atendimento de saúde.” O presidente Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional de São Paulo, Fábio Jabá, reforça: “não existe isolamento social em cadeia superlotada. É impossível de se fazer. No início da pandemia, tivemos que entrar com ações judiciais para ter o álcool gel entre os funcionários”, diz.

Segundo Jabá, houve um relaxamento no cumprimento dos protocolos de higiene nos presídios. “Os casos passaram a aumentar após o retorno das visitas, em novembro, quando voltaram a acontecer atendimentos de advogados, transferência de presos entre presídios da capital para o interior. Nesses trajetos, estão advogados, os próprios detentos”, diz. “Além disso, algumas atividades e rotinas foram retomadas, como o trabalho dos presos que estão no semiaberto, isso contribui com a disseminação do vírus.”

O agente afirma ainda que a mesma flexibilização observada entre as populações nos últimos meses do ano também se reproduziu no sistema prisional. “Têm visitantes que pegam ônibus com outras pessoas antes de chegar ao presídio. As cadeias são reflexos da sociedade. Era uma tragédia anunciada.”

As suspensões de visitas, adotadas em presídios e unidades do sistema socioeducativo de todo o país, em decorrência da pandemia, foi, de acordo com Alves, uma medida acertada. “Por mais que as visitas sejam fundamentais e inerentes aos processos socioeducativos e de ressocialização, além de previstas no ECA e na Lei de execuções penais, nesses períodos, os internos e os presos mantiveram contatos com os familiares por videochamadas e mensagens eletrônicas.”

O relatório mostrou que, somente nos últimos 30 dias, o índice de mortes causadas pelo coronavírus entre presos e servidores que trabalham nas unidades prisionais teve um aumento de 13,5%, em um total de 269 mortes. No sistema socioeducativo, em que jovens cumprem medidas socioeducativas, o número é ainda maior. As mortes em decorrência da doença cresceram 25,8%, com um total de 39 mortes. Todos os óbitos ocorreram entre servidores.

Desde o início da pandemia, o monitoramento aponta que foram registrados 71.342 casos de covid-19. Nas unidades prisionais o número é de 64.189, sendo 48.143 entre presos e 16.046 entre servidores. Já nas unidades do sistema socioeducativo, são 1.629 adolescentes com a doença e 5.524 servidores.

Outros aspectos que contribuem para o aumento dos números de casos e mortes por covid-19, de acordo com o presidente do sindicato dos funcionários do sistema prisional, é a insuficiência de funcionários para monitorar um grande contingente de presos e o não cumprimento dos protocolos sanitários. “Hoje temos um déficit de mais de 12 mil servidores em São Paulo. No complexo de Pinheiros, por exemplo, são cinco servidores para cuidar de 5 mil presos durante o dia”, diz. “O excesso de trabalho está nos matando e nos deixando doentes. Um policial penal hoje toma conta de dois ou três pavilhões.”

Unidades do sistema socioeducativo também registram aumento de casos de covid-19
Unidades do sistema socioeducativo também registram aumento de casos de covid-19                                                          MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Alves também afirma que os funcionários dos sistemas socioeducativo e prisional permaneceram mais expostos à doença. “Agentes das áreas de segurança e contenção precisam cumprir seus turnos e usam transportes públicos, alguns acabam sendo contaminados e até levando o vírus para dentro das unidades e prisões.”

Além disso, há denúncias de que alguns protocolos sanitários não estão sendo cumpridos nos espaços prisionais. “Temos os EPIs, mas não tem mais aferição de temperatura, de oxigenação, o uso de tapetes higiênicos. Há reclamações de servidores de que funcionários com sintomas que antes poderiam pedir afastamento, agora a solicitação não é cumprida”, diz Jabá.

Em relação ao sistema socioeducativo, existem denúncias sobre o não cumprimento de protocolos sanitários nas medidas de semiliberdade, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. “Cumprindo resoluções do CNJ e do TJs, os adolescentes foram para suas residências e são acompanhados a distância pelos técnicos e educadores. Existem reclamações de que juízes e a Fundação Casa obrigam os jovens de semiliberdade a frequentarem cursos profissionalizantes sem pagar o transporte. Além disso, esses jovens ficam expostos a aglomerações.”

“Os técnicos orientam e acompanham os adolescentes de forma preventiva com relação à contaminação. Mas sabemos que muitos que estão em liberdade participam de aglomerações e até de bailes de funk, gerando riscos às famílias”, ressalta Alves.

Em relação à testagem, de acordo com os dados do CNJ, 18.654 adolescentes privados de liberdade passaram pelo teste, além de 23.067 servidores, em estabelecimentos de 23 estados. Já em unidades prisionais, a testagem para a detecção da doença foi realizada em 254.105 pessoas presas e em 66.199 servidores – além de outros 16.602 exames em unidades do estado do Ceará, que não a destinação dos testes.

Os números mostram um crescimento na aplicação de exames de covid-19 em estabelecimentos prisionais em relação à semana anterior, sobretudo, na população prisional do Rio de Janeiro (14,8%), Piauí (9,7%) e Goiás (8,1%). Unidades no estado de São Paulo, segundo o levantamento, ampliaram em 15,5% a testagem entre servidores.

Fonte R7