No acumulado deste ano até julho, o preço da gasolina já avançou 27,51%, enquanto o do diesel acumula alta de 25,78%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Nos postos do país, a escalada é evidente. Na semana passada, o levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostrou que o preço médio do litro da gasolina se aproximou de R$ 6. O diesel atingiu R$ 4,616 por litro. A alta dos combustíveis já levou 25% dos motoristas de aplicativo a desistir de trabalhar nas plataformas.
Os preços cobrados nas bombas viraram motivo de embate entre o presidente e os governadores. Bolsonaro tem cobrado publicamente que os estados reduzam o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para que, dessa forma, os preços da gasolina e do diesel recuem.
Mas, afinal, por que os preços dos combustíveis estão subindo? E quem são os ‘culpados’ pela alta?
Formação de preços
Primeiro, é preciso entender como os preços da gasolina e do diesel são definidos. A formação do preço dos combustíveis é composta pelo preço exercido pela Petrobras nas refinarias, mais tributos federais (PIS/Pasep, Cofins e Cide) e estadual (ICMS), além do custo de distribuição e revenda.
Há ainda o custo do etanol anidro na gasolina, e o diesel tem a incidência do biodiesel. As variações de todos esses itens são o que determina o quanto o combustível vai custar nas bombas.
Dólar em alta
O principal ‘motor’ das altas da gasolina e do diesel vem sendo o real desvalorizado. Até esta quarta-feira (25), o dólar – moeda à qual o valor do petróleo é atrelado – acumulava alta de 0,46% sobre o real este ano. Em março, no entanto, essa valorização chegou a 11%.
“Eu destacaria que o principal culpado para a alta do preço do combustível é o câmbio, de longe. O petróleo já esteve num valor acima do atual, e o combustível não custava o que custa hoje”, afirma Walter de Vitto, analista da consultoria Tendências.
Mas o que faz o câmbio subir?
O que dá força para esse movimento de perda de valor da moeda brasileira são as várias incertezas dos investidores com relação ao rumo da política econômica do governo Jair Bolsonaro.
Nos últimos dias, o país viu um acirramento da crise institucional com ameaças feitas pelo presidente às eleições e aos demais poderes. Aliada ao fraco quadro fiscal do Brasil, e às dúvidas sobre a qualidade das reformas que o governo Bolsonaro pode aprovar no Congresso, essas incertezas afugentam os dólares do país – e impedem uma valorização do real, o que, na ponta final, poderia contribuir para uma queda do preço dos combustíveis.
“A questão fiscal precisa ser atacada, agora tem a questão política. Esses fatores geram essa incerteza, e o câmbio reflete tudo isso”, diz de Vitto, da Tendências. “A demanda por real diminui, a demanda por dólar aumenta, e a moeda brasileira se desvaloriza.”
Preço do petróleo no mercado externo
Há ainda um fator adicional de pressão. O valor do combustível também é influenciado pela recuperação da cotação do petróleo no mercado internacional. Depois do choque provocado pela pandemia de coronavírus, a economia global deve ter um crescimento robusto neste ano, o que aumenta a busca pela commodity e, consequentemente, ajuda a puxar os preços para cima.
“Com essa alta do preço (do petróleo) no mercado internacional, o preço do combustível fica mais alto logo na partida”, diz Juliana Inhasz, professora e coordenadora da graduação em economia no Insper.
Política de preços da Petrobras
No governo Michel Temer, a Petrobras alterou a sua política de preços de combustíveis para seguir a paridade com o mercado internacional.
Os preços de venda dos combustíveis praticados pela estatal passaram a seguir o valor do petróleo no mercado internacional e a variação cambial. Dessa forma, uma cotação mais elevada da commodity e/ou uma desvalorização do real têm potencial para contribuir com uma alta de preços no Brasil, por exemplo.
A Petrobras é dominante no mercado. E, portanto, qualquer mudança adotada pela estatal tem capacidade para produzir um impacto em toda a cadeia.
Tributação
Uma das principais acusações correntes sobre a alta de preços está relacionada ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – o ICMS. O imposto estadual, de fato, tem grande peso sobre o valor na bomba. A alíquota varia entre os estados: no caso da gasolina, chega a 30% em alguns locais.
Essas alíquotas, no entanto, não subiram – mas o valor pago pelos consumidores sim. O imposto é cobrado em cima de uma estimativa de preço médio pago pelos consumidores; assim, se o preço sobe na bomba, os governos estaduais podem subir a estimativa de preço médio sobre o qual o ICMS incide. Foi o que aconteceu em março deste ano na maioria dos estados.
De fevereiro para cá, embora o valor pago em ICMS tenha subido, a participação do tributo no preço total da gasolina caiu: naquele mês, representava 29% de todo o valor pago na bomba; em agosto, era 27,5%, segundo dados da Petrobras. Já no caso do diesel essa participação subiu, passando de de 14% para 15,9%.
Atritos e tentativa de mudança de cálculo
Na discussão entre Bolsonaro e governadores sobre o peso do ICMS no preço dos combustíveis, representantes de 24 estados e do Distrito Federal se reuniram na segunda-feira (23) e criticaram os ataques do presidente aos governos estaduais em relação ao valor da gasolina e do diesel.
Em 2020, os governadores arrecadaram R$ 80,5 bilhões em ICMS com a venda de combustíveis, o que representou 15,41% do ganho total com o tributo no ano, segundo um levantamento do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).
“O governo federal está tentando jogar a culpa no quintal dos governos estaduais. Na prática, hoje ninguém pode abrir mão de receita, muito menos do ICMS”, diz Juliana, do Insper. “Os governos estaduais contam com esses recursos para tentar ficar menos no vermelho.”
Em fevereiro, Bolsonaro chegou a encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que propõe mudanças no cálculo do ICMS sobre os combustíveis.
O objetivo é estabelecer uma “alíquota uniforme e específica” – ou seja, um valor fixo e unificado em todo o país – para cada combustível com base na unidade de medida. Hoje, cada estado adota uma alíquota diferente.
É possível medir o impacto do câmbio?
Um exercício realizado pela consultoria Tendências deixa evidente como o câmbio tem um impacto central no preço do combustível.
A avaliação da consultoria é que o dólar estaria em R$ 4,50 se não houvesse risco fiscal e político no Brasil. Nesse cenário, gasolina e diesel estariam com um valor 10% mais baixo.
Num outro cenário, se o dólar estivesse no mesmo patamar do início do governo Bolsonaro, a queda seria ainda maior, de 20%.
Por que seguir a paridade internacional?
Na administração Dilma Rousseff, para evitar uma escalada da inflação, o governo evitava a reajustar os preços administrados, como os da energia elétrica e dos combustíveis. A medida não era bem aceita pelos investidores por ser considerada uma intervenção do estado na economia.
“O governo Dilma usou a Petrobras como uma forma de absorver os impactos de preços, evitando o repasse para o consumidor final”, afirma Juliana, do Insper. “Mas o aumento de preços tem de acontecer porque, caso o contrário, o governo arca com essa alta.”
Durante o governo Temer, a mudança de preços chegou a ser diária e acabou desembocando na greve dos caminheiros. A manifestação custou o cargo de Pedro Parente então presidente da Petrobras.
Na gestão atual, a Petrobras ainda diz manter a paridade do preço dos combustíveis, mas os reajustes acontecem numa frequência menor – o último foi anunciado em 11 de agosto.
Bolsonaro já reclamou publicamente da alta dos preços e tirou Roberto Castelo Branco do comando da estatal no início deste ano. Ele foi substituído pelo general Joaquim Luna Silva.