Transformação do 1º PM transexual de São Paulo (Imagens: Marcelo Brandt/G1)
Capitã Cláudia Lança diz que é o primeiro caso de policial transexual na corporação em 188 anos de história — Foto: Marcelo Brandt/G1
Antes de procurar a PM para pedir a alteração dos seus dados femininos para masculinos, o soldado Henrique diz que teve certo receio. “Eu tinha medo de levar a questão de dizer: ‘Eu sou trans’ e ser expulso por isso”, lembra. Até então ele desconhecia que tinha direitos, mas buscou informações. Tanto que seu pedido à Polícia Militar se baseou em uma lei estadual que determina que transexuais e travestis sejam tratados em repartições públicas pelo nome social e reconhecidos pelo gênero com o qual se identificam. “Apesar de ter um emprego, servindo a sociedade, eu não me sentia feliz na minha vida pessoal porque não era visto como eu queria ser visto”, diz Henrique.
Soldado Henrique diz como apoio da mãe e amigos foi fundamental (Imagens: Marcelo Brandt/G1)
Ainda em 2017, ele começou o tratamento hormonal à base de testosterona para se tornar visualmente homem. “Eu nunca me senti muito à vontade”, diz o soldado sobre o corpo biológico de mulher com o qual nasceu. “Se eu parar a transição, pode ser que, com o tempo, a minha menstruação volte. Não é o que eu quero”.
Henrique em dois momentos: se preparando para a mastectomia e depois já na mesa de operação para retirar os seios em 2018 — Foto: Montagem: Reprodução/Divulgação/Arquivo pessoal/Instagram
Transformação
Enquanto a PM analisava o caso de Henrique, em 2018 ele se submeteu à cirurgia particular de mastectomia para retirada dos seios. “Hoje eu tive a oportunidade de tomar meu primeiro banho de chuva após ter feito a minha mastectomia. Enquanto todas as pessoas corriam para fugir da chuva, eu continuei caminhando”, postou Henrique no seu Instagram. “A alegria que eu senti por continuar sendo o mesmo homem, por passar despercebido, ficou estampada no meu rosto.”
Henrique escreveu no Instagram sobre a sensação de poder tomar chuva pela primeira vez após a retirada dos seios; ao lado outra foto dele exibindo o resultado da cirurgia — Foto: Montagem: Divulgação/Arquivo pessoal / Redes sociais
Naquele mesmo ano, ele foi ao cartório da região da cidade onde nasceu, em Iracema do Oeste, no Paraná, e alterou nome e gênero na certidão de nascimento. Emanoely Lunardi Ferreira, sexo feminino, deixou de existir nos documentos. Deu lugar oficialmente a Emanoel Henrique Lunardi Ferreira, sexo masculino. “A minha retificação foi feita diretamente no cartório onde eu fui registrado, que foi lá no Paraná. Eu levei os documentos num dia, no dia seguinte eu já saí com a minha certidão nova e fiz as minhas retificações posteriores”, diz Henrique.
Nova certidão de nascimento alterou antigo nome e sexo de nascimento do policial para aquele que ele gostaria que fosse reconhecido: Emanoel Henrique Lunardi Ferreira, masculino — Foto: Reprodução/Divulgação/Arquivo pessoal
Mãe ajudou a escolher novo nome
Leonir Leonardi, a mãe de Henrique, o ajudou na escolha do novo nome. “Mãe, vamos decidir meu nome? Como se estivesse nascendo alguém de novo. Isso foi muito bacana porque ela precisou ver a filha dela morrer para nascer o filho”, se emociona o soldado. “Eu coloquei Emanoel, que é o masculino do meu antigo nome, porque minha mãe pediu. E pus Henrique porque era um nome com o qual eu me identificava.” A mãe acrescenta: “Muitas pessoas que passam pela mesma situação ou até situações parecidas não têm como enfrentar a família, enfrentar a sociedade, enfrentar até eles mesmos. Porque hoje o preconceito ainda é muito grande”, diz Leonir.
Leonir Lunardi e o filho Henrique — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
A alteração do registro civil para transexuais e travestis foi autorizada em 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não há necessidade de se passar por operação para redesignação sexual para realizar a mudança. “Retirada de útero e ovários eu pretendo fazer futuramente”, cogita Henrique, que, no entanto, ainda não pensa na cirurgia de redesignação. “Se eu fosse fazer eu teria que fazer fora do Brasil.” Em agosto de 2018, quando voltou de férias, Henrique finalmente teve conhecimento de que a PM reconheceu sua masculinidade. A partir dali determinou que ele passasse a ser tratado oficialmente como sempre quis: “SD PM Henrique”. Agora é o Henricão. Agora mudou, agora é ele entendeu?”, brinca o soldado sobre quando recebeu a nova identificação.
Por: G1