Vinhedo: Mulher de 63 anos vivia há 20 anos em situação de escravidão

“Vocês precisam realmente saber o que está acontecendo, me ajude!”. Foram essas palavras da idosa de 63 anos vítima de cárcere privado em Vinhedo (SP) que chamaram a atenção dos investigadores enquanto apuravam uma denúncia de estelionato nesta segunda-feira (24), segundo o registro na Polícia Civil. Ela vivia em uma casa em situação análoga à escravidão e era mantida por um homem e uma mulher. Nesta terça (25), a Justiça determinou a prisão preventiva do casal.

 

Resumo:

Idosa trabalhava na casa e não era remunerada
Ela não saía da residência e não tinha contato com familiares
Família registrou desaparecimento dela na polícia em 1996
Investigadores localizaram familiares no Paraná e em Araraquara (SP)
Vítima foi levada para abrigo de idosos em Vinhedo
Idosa saiu de casa para ajudar mãe a sustentar família, diz irmã
‘Feliz só de saber notícias dela’, diz mãe de idosa
Policiais buscavam a dona de um cheque após denúncia de estelionato quando se depararam com a mulher em “total descontrole emocional” na residência, informa o boletim de ocorrência. Vistoriaram a casa e verificaram que não havia alimentos para ela e a outra idosa, de 88 anos, que é cadeirante e era cuidada pela vítima.

“A vítima apresentava comportamento muito alterado psicologicamente e muitas vezes se colocava como culpada daquela situação”, diz o registro policial.

Presos, Ecio Pilli Junior e Marina Okido, mãe da idosa mais velha, são suspeitos de passar cheques sem fundo no nome da vítima e de mantê-la nessas condições. Eles serão investigados por estelionato, tortura e cárcere privado.

 

Registro de desaparecimento

Investigadores da Polícia Civil verificaram, com a ajuda de uma testemunha em um antigo endereço onde a idosa era mantida, que ela morava no Paraná e foi trazida para o interior paulista com o objetivo de trabalhar em uma casa de família. Recebia salário, mas há cerca de 18 anos o patriarca morreu e deu-se início aos abusos, privações e ameaças.

Há ao menos 23 anos, no entanto, a família da vítima procurava por ela. Os policiais encontraram um registro de desaparecimento de pessoa datado de 1996 e, após buscas em bancos de dados e pela internet, localizaram uma das irmãs da idosa. Ela confirmou aos investigadores que o desaparecimento ocorreu há cerca de 30 anos e disse já ter investido dinheiro nas buscas, sem sucesso.

De acordo com as investigações, a mulher tem familiares no Paraná e também na cidade de Araraquara (SP), que já demonstraram interesse em reencontrar a vítima. Este processo será conduzido pela equipe de assistência social de Vinhedo.

 

‘Situação de risco’

A assistente social Giorgia Bezerra acolheu as duas idosas e afirma que identificou no local uma situação grave de isolamento social. A mulher de 88 anos foi encaminhada para a Santa Casa da cidade. Já para a vítima de 63 anos, foi acionado o serviço especializado na cidade para idosos em situação de risco.

“A gente percebeu que precisaria ser tomada alguma medida, porque o isolamento social nesse nível de gravidade, a gente considera que ela está numa situação de risco”. Segundo Giorgia, está sendo providenciado junto à Secretaria de Saúde o atendimento dela por médicos, psiquiatra e psicólogo, para entender o grau da dependência que a vítima tem com essa situação e o quanto isso foi agravado no seu desenvolvimento.

“Ela achava que, como não tinha contato com pessoas, não precisava sair na rua. Ela disse se sentir confortável com essa situação de ficar em casa, mas a gente percebe que ela não tinha o costume de sair nem na rua. Então a gente considera que isso é, de fato, uma violação do direito dela”, afirma a assistente social Giorgia Bezerra.
A idosa também disse, segundo Giorgia, que não conhece vizinhos ou alguém na cidade, e que há muitos anos não tem contato com família no Paraná. Dentro da casa, a vítima tinha alimentação e fazia os trabalhos de limpeza, além de cuidar da mãe da mulher presa em flagrante.

 

Vizinhos não desconfiavam

Alcides Bressani, aposentado, trabalha com instalação e manutenção de antenas e já fez um serviço na casa, mas não viu a idosa no local. “Não vi essa senhora. E aqui ninguém viu. Nunca ninguém viu”, conta.

Alcides mora próximo ao local e disse ainda que os investigadores chegaram a pular o portão quando chegaram nesta segunda-feira porque chamaram e bateram palmas, mas ninguém atendeu na residência.

A aposentada Maria dos Santos disse que via um homem que chegava de carro com frequência e entrava na casa, e às vezes uma mulher o acompanhava. Ela sabia que tinha gente no endereço, mas também não conhecia a idosa.

G1